Carta à minha filha: não deixe que a
escola te ensine.
Clarice querida,
O mundo está mudando rápido. Bem mais rápido que as
nossas escolas. Há tantas delas que ainda não perceberam que este mundo
internético em que hoje vivemos é radicalmente diferente do mundo desconectado
de algumas poucas décadas atrás e que nossa Educação agora pode e precisa ser
muito melhor.
Grandes
ideias não faltam: escolas na nuvem na Índia, aulas
sem turmas nem professores em Portugal, salas-de-aula
invertidas nos Estados Unidos, brinquedos que ensinam crianças a programar computadores
na Inglaterra, milhares de
pessoas do mundo todo fazendo juntas cursos de nível superior!
Mas é preciso querer ver a
necessidade de mudar, e isso demora. Por mais que eu esteja otimista, não acho
que os anos que te restam na escola sejam tempo suficiente para essa onda de
renovação se espalhar pelo Brasil e chegar à tua sala-de-aula.
Vai ser por pouco… Você é parte da
última geração de alunos da escola do passado. Ou seja, alunos de um modelo de
educação igualzinho ao que eu tive, e que também foi o mesmo dos teus avós,
teus bisavós, teus trisavós…
Mas se não dá para evitar que as
manhãs da tua infância sejam gastas em aulas chatas e desestimulantes, você
pode pelo menos ficar alerta aos defeitos desse modelo. Assim, enquanto você
aproveita o que a escola pode te oferecer de bom, vai conseguir impedir que ela
te ensine algumas coisas que a mim custaram muitos anos para desaprender.
Não deixe que a escola te ensine que
conhecimentos podem ser compartimentados, separados em caixinhas, isolados uns
dos outros.
Na escola do passado, a matemática
acaba quando começa a física e a geografia acaba quando começa a história. No
mundo, há biologia no esporte, matemática na música, história na literatura,
gramática na programação de computadores… Por isso, depois de ver algo de
perto, dê sempre um passo para trás, perceba as relações, enxergue o todo.
Não deixe que a escola te ensine que
alguns conhecimentos são mais importantes que outros.
Na escola do passado, para cada aula
de artes há duas de geografia e para cada uma de geografia há duas de
matemática. Música, artes plásticas, esportes, religião, filosofia são tratados
como matérias de “segundo time”. Quantos grandes artistas e esportistas foram
vistos como maus alunos e forçados a abandonar seus talentos porque o
conhecimento que lhes interessava não era o mesmo que interessava à escola!
Persiga teus interesses mesmo que eles não interessem a mais ninguém.
Não deixe que a escola te ensine que há
um momento específico para aprender cada coisa.
Na escola do passado, quem não
consegue acompanhar a turma é tido como um fracassado e quem quer avançar mais
rápido é freado, impedido. Ela exige que todos aprendam o mesmo ao mesmo tempo.
Mas as pessoas não são todas iguais. Você pode ter mais facilidade que os
colegas em um determinado assunto e menos em outro. Não deixe que te empurrem
nem que te segurem. Respeite teu próprio ritmo de aprendizado.
Não deixe que a escola te ensine a
decorar.
o contrário, esqueça tudo que puder. O homem
dominou o planeta porque foi capaz de fabricar ferramentas que estenderam os
limites das nossas mãos e pés. Agora, fomos ainda mais além e fabricamos
ferramentas que estendem os limites do nosso cérebro. Não precisamos mais
desperdiça-lo usando-o como um depósito de nomes, datas e fórmulas; hoje
podemos aproveitar todo o potencial dele para analisar, criticar e refletir o
mundo de informações que podemos acessar com um clique. A Internet é o teu HD,
o cérebro é o teu processador.
Não deixe que a escola te ensine a te
contentar com pouco.
Na escola do passado, as
consequências de tirar nota 10 ou nota 7 são as mesmas. O aluno excelente passa
de ano da mesma forma que o mediano, com, no máximo, um elogio da professora.
Assim, aos poucos os alunos vão ficando satisfeitos em “passar por média”.
Nunca fique contente com a média. Dê teu melhor sempre, em tudo o que fizer
(inclusive nesses poucos anos que ainda te restam na escola do passado). No
mundo, ao contrário da escola, a excelência faz muita diferença.
Não deixe que a escola te ensine a
acreditar que ela é suficiente.
A escola do passado lamentavelmente
abdicou da missão de preparar os alunos para o futuro e se limita a tentar
prepará-los para o vestibular ou o ENEM. Mas a tua vida produtiva começa
exatamente depois desse ponto e para ser bem sucedida nela você precisará de
muito mais do que ciências, matemática, português, história e geografia. O
futuro vai exigir que você tenha uma boa noção dos teus direitos e deveres para
cumprir teu papel de cidadã, conheça um pouco de economia para saber gerenciar
teu dinheiro, aprenda sobre empreendedorismo para fazer tuas ideias virarem
realidade, tenha consciência global para compreender teu lugar no mundo, domine
a Internet enquanto ferramenta de comunicação e muito mais. Há muitos conhecimentos
que não estão na escola. Procure-os onde estiverem.
Não deixe que a escola te ensine que provas são
capazes de medir a tua capacidade e inteligência.
A história está repleta de gênios que
foram tidos como maus alunos. Eles eram considerados incapazes nas suas escolas
porque estavam à frente delas e, portanto, não podiam ser medidos pelos seus
testes. As provas da escola do passado servem para provar quem está mais
adequado ao mundo do passado.
Não deixe que a escola te ensine que
você não tem nada a ensinar.
Na escola do passado os alunos são
separados em séries de acordo com suas faixas etárias e isso praticamente
impede a interação entre idades diferentes. Colegas um pouco mais velhos têm
muito a te ensinar e, o que é ainda mais importante, os mais novos têm muito a
aprender contigo. E ensinar é a forma mais eficiente de aprender. Quando um
professor detém o monopólio do ensino, ele te rouba inúmeras oportunidades de
aprender ensinando e ensinar aprendendo.
Não deixe que a escola te ensine que errar é ruim.
Provas fazem isso o tempo todo, sem
que os alunos percebam. Do jeito que são feitas, elas servem apenas para
apontar e punir nossos erros e desperdiçam a oportunidade de nos ajudar a
aprender com eles. O resultado é que aos poucos vamos nos acostumando a não
arriscar e a evitar erros a todo custo. Não há nada pior para o aprendizado do
que o medo de errar. Erre! Erre de novo! Erre à vontade. Erre quantas vezes
forem necessárias até acertar.
Não deixe que a escola te ensine a ser
apenas consumidora de ideias.
A escola do passado se limita a
ruminar as ideias dos outros. Diariamente, aula após aula, os alunos mastigam,
engolem e digerem um enorme cardápio de informações. Não há nenhum espaço para
que eles gerem conhecimento, produzam pensamentos, criem ideias, somem. Os
alunos são tratados como se fossem incapazes disso e logo se convencem dessa
incapacidade. O mundo do futuro é o mundo da troca. Nele, os bem sucedidos não
serão os que forem capazes de acumular mais ideias, mas os que forem capazes de
distribuir mais. Escreva, desenhe, cante, dance, filme, blogue, fotografe,
pinte e borde. Crie, produza, pense, gere, compartilhe.
E o mais importante de tudo, minha
filha: não deixe que a escola te ensine que aprender é a mesma coisa que ser
ensinado.
Toda criança nasce uma esponjinha de
conhecimento ávida para absorver os comos e os porquês de tudo que vê. Essa
curiosidade sem fim, essa fome de aprender costuma durar até o exato momento em
que ela passa pela porta da sala de aula da primeira série da escola do
passado. É nesse momento que as crianças são convencidas que aprender não é
experimentar, sentir e sujar as mãos de terra ou tinta, como faziam até agora,
mas sim sentar silenciosamente em cadeiras alinhadas e ser ensinado por um
professor que é o dono de todo o saber e que decide sozinho a hora de começar e
de parar de estudar cada assunto. O aprendizado não vem mais da interação da
própria criança com o objeto que ela está conhecendo. Agora, ele é
“transferido”. A criança não faz mais perguntas, ouve respostas. A busca do
conhecimento não começa mais nas interrogações dos alunos, mas nas afirmações
do professor; o estudo não mais se inicia na curiosidade, mas na autoridade. A
criança não está mais no comando do seu aprendizado, ela não é mais um sujeito
ativo no ato de aprender, é um sujeito passivo do ato de ensinar do professor.
Em resumo, a criança não mais aprende, é ensinada. Não abra mão da direção da
tua vida. Viver é aprender e você tem autonomia (ou seja, a liberdade e a
responsabilidade) para decidir o que aprender e, portanto, como viver. Não a
ceda a ninguém.
Se você conseguir impedir a escola de
te ensinar essas coisas, vai acabar descobrindo que vida escolar é diferente de
vida de aprendizado. E então, terá a vida inteira para desfrutar dessa incrível
Era do Conhecimento que está apenas começando.
Te amo, Teu pai.
http://rescola.com.br/carta-a-minha-filha-nao-deixe-que-a-escola-te-ensine
Xamã do Asfalto